sexta-feira, 26 de junho de 2015
As velhinhas
Antónia e Filipa são duas velhinhas humildes que partilham tudo, apesar de o seu tudo ser quase nada: sopa de água de segunda a sábado e um esparguete a meias aos domingos. Mas são felizes ao contar com a sua maior riqueza: o afecto de uma pela outra.
Esta história demonstra que somos capazes de fazer coisas que parecem impossíveis pelas pessoas de quem gostamos, e que merece a pena chegar a velhos, mas muito velhos, para aproveitar tal como elas os grandes prazeres da vida — um grande banquete — ou os pequenos — um diminuto feijão —.
Charo Pita lembra-nos que a idade é um presente: está cheia de vida e de mistérios. Uma cara esculpida pelas rugas é como uma árvore milenária. O tronco grosso floresce a cada Primavera da mesma forma que uma pessoa idosa a cada amanhecer. Assim são Antónia e Filipa, aventureiras do dia a dia, do carpe diem.
As velhinhas é um conto de renascimento na velhice, com elementos mágicos próprios dos contos tradicionais, onde o cuidado, a paciência, a imaginação e a valentia transformam a rotina de duas mulheres idosas que gostam uma da outra com uma alegria e uma força capazes de vencer qualquer contratempo.
Fátima Afonso oferece-nos neste álbum uma amostra, contida mas eficaz, da sua demonstrada capacidade para gerar imagens de marcado carácter narrativo, com pontuais contraposições de texto-imagem que obrigam o leitor a resolver mínimos problemas de distanciamento que respeitam em todo o momento a função narrativa que emoldura e domina o discurso plástico.
A ilustradora portuguesa propõe uma generosa série de planos médios para desdobrar um discurso dominado sobretudo pelos acrílicos, com imagens repletas de sugestivos pormenores narrativos, o que permite desfrutar de uma leitura demorada e profunda.
Texto de Charo Pita
Ilustrações de Fátima Afonso
Tradução Dora Batalim Sottomayor
quarta-feira, 10 de junho de 2015
AS RAZÕES DA SINCERIDADE
Há quem não oculte as suas falhas. Há quem prefira ser pouco, mas inteiro, do que ter de se misturar com impurezas para parecer maior. Há quem nunca se molde às situações ao ponto de se tornar outro, perdendo-se de si mesmo. A sinceridade é a qualidade essencial do que, não sendo perfeito, é ainda assim valioso, porque real e autêntico.
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Ser sincero é mais do que ter um gesto exemplar ou uma palavra verdadeira. É ser inteiro em cada decisão, em cada palavra… Ser sincero é uma escolha que se renova a cada hora.
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Todos falhamos. O erro é um sinal evidente de que somos limitados, mas é também o ponto a partir do qual cada um revela o que é. Uns ignoram, outros preferem desculpar-se, culpando quem não tem culpa. Outros ainda, poucos, reconhecem os seus erros e procuram emendar-se, não através de disfarces ou pinturas da superfície, mas de uma mudança mais profunda.
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Só quem decide ser forte consegue chegar a ser sincero. É duro e supõe uma elevada capacidade de sofrimento. Por isso, não é algo que se deva esperar de pessoas fracas e pobres de vontade.
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O sincero consegue resistir à maldade e seguir a direito, mesmo quando só parece haver caminhos tortos. Escolhe ser puro e inocente, pela força e coragem com que resiste a tudo o que o seduz e ameaça, mas que, na verdade, apenas o quer diminuir através da culpa.
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Há pessoas que não procuram artifícios na sua relação com os outros, revelam-se tal como são.
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Nunca é uma boa opção ocultar os nossos defeitos. Quem se delicia com as belas aparências raras vezes se importa com o que tem valor profundo. Assim como quem se preocupa com o valor real sabe que não há gente sem defeitos, fendas e fraquezas, e que a verdadeira integridade é a de nos reconhecermos como somos, não porque sejamos melhores, mas porque não queremos ser piores, criando ilusões.
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Uma pessoa sincera é igual a si mesma. Cresce, mas mantém-se fiel à sua pureza original. Não cria equívocos, embora prefira reservar para depois o que tem de melhor.
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Outros são os que se viram e reviram, dão voltas e mais voltas sobre si mesmos, a fim de, rastejando sempre, tentarem chegar ao que não é seu, ao que não são... apenas porque não têm força nem coragem para o ser. Escolhem o mais fácil: preferem parecer do que ser. Não se dão conta de que, por esse caminho a descer, não há senão vazios mascarados de coisas grandes.
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Quando a uma verdade se acrescentam umas quantas meias verdades, com intenção de que a mistura passe depois por pura e valiosa, o que se obtém é apenas uma mentira requintada. E, por mais apurada que seja, não deixará jamais de ser uma impureza.
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Não é fácil dobrar alguém sincero e honesto. Porque, apesar do sofrimento que isso lhe custa, saberá que a verdade é sempre maior do que a malícia dos que tentam o que for preciso para que ninguém seja senão como eles.
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A hipocrisia é mais comum do que a sinceridade. É preciso crescer muito, ao ponto de nos tornarmos capazes da verdade mesmo depois das mentiras. Afinal, são as mesmas máscaras que nos escondem o que nos impede de ver o mundo e os outros tal como são...
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A sinceridade jamais pode ser a razão para magoar alguém. Ser sincero é também saber escolher o que dizer e o que calar. Não devemos dizer tudo quanto pensamos, mais ainda se não o tivermos pensado com honestidade e inteligência. O silêncio é parte essencial da verdade e da sinceridade.
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Se há palavras que são gestos dignos de louvor, também há palavras que só chegam a ser boas se forem cumpridas pelas mãos dos que ousam dizê-las.
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Uma boa ação, ou uma palavra verdadeira, não perdem o seu valor só por ninguém o reconhecer... Parte da dureza da sinceridade é o abandono a que remete os sinceros… aqueles que se decidem a seguir pelo caminho que ruma ao céu. A direito.
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José Luís Nunes Martins
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