OS AMIGOS DEIXARAM DE JANTAR LÁ EM CASA
Não deixámos de conviver com os amigos, deixámos de os
convidar para jantar lá em casa.
Os jantares sem hora para acabar, onde histórias antigas se
cruzavam com as novidades que cada um se dispunha a contar da sua própria vida,
passaram a realizar-se (quando acontecem) no restaurante da moda ou da memória.
Agora os momentos de intimidade entre amigos de longa data
acontecem ao telefone ou no chat do facebook. A casa passou a ser demasiado
íntima, até para os nossos principais amigos. Não, não é o trabalho que dá
preparar um jantar, nem a chatice da loiça no final para lavar ou a sala que
ficou pequena desde a última vez, em que os convidámos.
Preferimos este terreno neutro do restaurante, porque há um
mínimo de compostura que se mantém num sítio público e porque há assuntos que
convencionamos não abordar num sítio indicado para celebrar. Preferimos o
telefone ou a internet, porque tememos que nos escrutinem o olhar e
descodifiquem os sinais que a face transmite.
A amizade tem memória de elefante e curiosidade de mulher.
Conhece o significado do quadro pendurado na parede; repara nas cadeiras que já
faltam à volta da mesa de jantar e quer saber por que raio deixámos de fazer
sobremesa, ao sábado à noite.
Consciente ou inconscientemente, fomos mudando os hábitos à
amizade. Tornámo-la mais sofisticada, aparentemente mais íntima, na verdade,
gerida com telecomando.
Mais ou menos equipada, mais ou menos arrumada, a casa
passou a ser o local da nossa intimidade não revelável. O sítio onde as
emoções, os segredos, os sonhos e as preocupações passeiam à solta sem que
ninguém os incomode, sem que ninguém os questione.
E isso não nos atira às garras da solidão? Claro que sim!
Quando não atendem o telefone ou o cardápio do chat não é suficientemente
atrativo para as necessidades do momento, refugiámo-nos numa ficção qualquer,
frente ao ecrã, mas não nos passa sequer pela cabeça convidar um amigo para a
próxima noite de folga.
Gabriel Vilas Boas