quinta-feira, 18 de fevereiro de 2010

quente & frio ... amor & desamor

uma espécie de perda

Usámos a dois: estações do ano, livros e uma música.
As chaves, as taças de chá, o cesto do pão, lençóis de linho e uma
cama.
Um enxoval de palavras, de gestos, trazidos, utilizados,
gastos.
Cumprimos o regulamento de um prédio. Dissemos. Fizemos.
E estendemos sempre a mão.

Apaixonei-me por Invernos, por um septeto vienense e por
Verões.
Por mapas, por um ninho de montanha, uma praia e uma
cama.
Ritualizei datas, declarei promessas irrevogáveis,
idolatrei o indefinido e senti devoção perante um nada,

(- o jornal dobrado, a cinza fria, o papel com um aponta-
mento)
sem temores religiosos, pois a igreja era esta cama.

De olhar o mar nasceu a minha pintura inesgotável.
Da varanda podia saudar os povos, meus vizinhos.
Ao fogo da lareira, em segurança, o meu cabelo tinha a sua cor
mais intensa.
A campainha da porta era o alarme da minha alegria.

Não te perdi a ti,
perdi o mundo.


Ingeborg Bachmann

1 comentário:

Anónimo disse...

E este postar, fere-nos a quentura do coração. Porque perde-se por entre as mãos de quem escreve... é um traço do frio que abunda por estes dias.O Inverno faz-se rigoroso.
Habituamo-nos às imagens (tuas) cantadas, e depois na ausência do retrato, este texto traz todas as dicas daquilo que é perecível.
Ontem o teu postar tinha um fogo brando, que nos tolhia no aconchego, suave, lento e com perfume. Hoje o texto é postado como pedra fria. Quase diria que todos, temos sentires semelhantes. Há dias em que a solidão do outro nos comprime, nos chove por dentro.
Queria dizer-te... que te acho meNINA, mesmo que possas pesar a tua imagem nos arquivos do tempo. E de forma timída, esbarro os teus ensaios bloguistas num dizer-te: CÉU ou AZUL!
As pessoas são boNITAS quando insurgem-se pelo poema no avesso do corpo. Eu gosto de aqui estar!