domingo, 14 de novembro de 2010

O Sonho da Luz, o Sol do Marmeleiro





"Os dois sóis do marmelo

Madrid, começo do Outono: Antonio López decide-se a pintar o toque suave do sol da manhã sobre as folhas e os frutos do marmeleiro no jardim de sua casa e convida o realizador Víctor Erice para filmá-lo enquanto pinta.
Para pintar o sol no marmelo o pintor constrói uma espécie de aparelho de olhar: pequenas pinceladas no tronco, nas folhas e nos frutos do marmeleiro; cordéis suspensos no ar; pregos fincados no chão para indicar a posição do cavalete que sustenta a tela e a distância entre a tela e o pintor. Estas marcas no chão e no espaço compõem a imagem; limitam, enquadram o que será pintado. O pintor traça uma moldura ou visor virtual: o cordel diante do marmeleiro, os traços e cruzes nas folhas e frutos da árvore só fazem sentido para os olhos do pintor.
O quadro não se conclui. O Outono chuvoso esconde as cores que o pintor queria pintar. Sem o sol, ele decide retratar a árvore e os frutos num desenho em preto e branco, projecto igualmente abandonado. A chuva mais forte nos dias seguintes torna impossível desenhar no jardim, diante do marmeleiro.
El sol del membrillo, de Víctor Erice (1992) documenta a pintura que não se conclui e por isso mesmo, de modo radical, reafirma que num filme o que se vê não é exactamente a reprodução do que realizador viu, mas sim o olhar do realizador. Como aqui o realizador olha um personagem que olha (não vê o que ele vê: vê como ele constrói o seu olhar) talvez seja possível dizer que o director diante do pintor vê como um espectador vê quando tem diante de si um documentário.
E talvez se possa dizer também que o quadro não concluído se conclui no filme. Uma fusão entre cinema e pintura, El sol del membrillo realiza o sonho partilhado de López e Erice."

3 comentários:

Anónimo disse...

Poema: Marmelo/O MAR MEL

JB disse...

Daqueles filmes para guardar bem dentro de nós...não como cultura, mas antes para nos sentirmos vivos e transcendentes com as pequenas coisas...às vezes esquecidas e imperceptíveis...

lena disse...

Concordo, embora haja quem não aprecie.Eu, simplesmente, AMO.