sexta-feira, 4 de novembro de 2016
Em finais do século XIX, já depois da abolição da escravatura, um tumbeiro clandestino naufraga ao largo do Brasil. Um grupo de náufragos atinge uma praia intermitente, que desaparece na maré cheia: um capataz, um escravo, um mísero criado, um padre, um estudante, uma fidalga e sua filha, um menino pretinho ainda a dar os primeiros passos... Todos são vencedores na morte, perdedores na vida. O mar, ao contrário dos seus antecedentes quotidianos, dá-lhes agora uma segunda oportunidade, duas vezes por noite, duas vezes por dia. Ao contrário do que pensam, não estão sós naquele cárcere, com os penhascos enquanto sentinelas, cercados de infinitos, entre o céu e o oceano. Trazem com eles todos os seus remorsos, todos os seus fantasmas. E mais difícil do que fazerem-se ao mar ou escalarem precipícios será ultrapassarem os preconceitos: os de raça, os de classe social, os de género, os de credo. Para sobreviverem, terão de se transformar num monstro funcional com muitos braços e muitas cabeças; serão tanto mais deuses de si próprios quanto mais se tornarem humanos e conseguirem um estado de graça a que poucos terão acesso: a capacidade de se colocarem na pele do outro.
domingo, 30 de outubro de 2016
A Vida não Cabe numa Teoria
A vida... e a gente põe-se a pensar em quantas maravilhosas teorias os filósofos arquitectaram na severidade das bibliotecas, em quantos belos poemas os poetas rimaram na pobreza das mansardas, ou em quantos fechados dogmas os teólogos não entenderam na solidão das celas. Nisto, ou então na conta do sapateiro, na degradação moral do século, ou na triste pequenez de tudo, a começar por nós.
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel Torga, in "Diário (1941)"
Mas a vida é uma coisa imensa, que não cabe numa teoria, num poema, num dogma, nem mesmo no desespero inteiro dum homem.
A vida é o que eu estou a ver: uma manhã majestosa e nua sobre estes montes cobertos de neve e de sol, uma manta de panasco onde uma ovelha acabou de parir um cordeiro, e duas crianças — um rapaz e uma rapariga — silenciosas, pasmadas, a olhar o milagre ainda a fumegar.
Miguel Torga, in "Diário (1941)"
sexta-feira, 28 de outubro de 2016
sábado, 22 de outubro de 2016
OS AMIGOS DEIXARAM DE JANTAR LÁ EM CASA
Não deixámos de conviver com os amigos, deixámos de os
convidar para jantar lá em casa.
Os jantares sem hora para acabar, onde histórias antigas se
cruzavam com as novidades que cada um se dispunha a contar da sua própria vida,
passaram a realizar-se (quando acontecem) no restaurante da moda ou da memória.
Agora os momentos de intimidade entre amigos de longa data
acontecem ao telefone ou no chat do facebook. A casa passou a ser demasiado
íntima, até para os nossos principais amigos. Não, não é o trabalho que dá
preparar um jantar, nem a chatice da loiça no final para lavar ou a sala que
ficou pequena desde a última vez, em que os convidámos.
Preferimos este terreno neutro do restaurante, porque há um
mínimo de compostura que se mantém num sítio público e porque há assuntos que
convencionamos não abordar num sítio indicado para celebrar. Preferimos o
telefone ou a internet, porque tememos que nos escrutinem o olhar e
descodifiquem os sinais que a face transmite.
A amizade tem memória de elefante e curiosidade de mulher.
Conhece o significado do quadro pendurado na parede; repara nas cadeiras que já
faltam à volta da mesa de jantar e quer saber por que raio deixámos de fazer
sobremesa, ao sábado à noite.
Consciente ou inconscientemente, fomos mudando os hábitos à
amizade. Tornámo-la mais sofisticada, aparentemente mais íntima, na verdade,
gerida com telecomando.
Mais ou menos equipada, mais ou menos arrumada, a casa
passou a ser o local da nossa intimidade não revelável. O sítio onde as
emoções, os segredos, os sonhos e as preocupações passeiam à solta sem que
ninguém os incomode, sem que ninguém os questione.
E isso não nos atira às garras da solidão? Claro que sim!
Quando não atendem o telefone ou o cardápio do chat não é suficientemente
atrativo para as necessidades do momento, refugiámo-nos numa ficção qualquer,
frente ao ecrã, mas não nos passa sequer pela cabeça convidar um amigo para a
próxima noite de folga.
Gabriel Vilas Boas
quinta-feira, 1 de setembro de 2016
quarta-feira, 20 de julho de 2016
“A sereia das pernas tortas.”
Era uma vez uma mulher que tão depressa era feia como era bonita.
Quando era bonita, as pessoas diziam-lhe:
— Eu amo-te.
E iam com ela para a cama e para a mesa.
Quando era feia, as mesmas pessoas diziam-lhe:
— Não gosto de ti.
E atiravam-lhe com caroços de azeitona à cabeça.
A mulher pediu a Deus:
— Faz-me bonita ou feia de uma vez por todas e para sempre.
Então Deus fê-la feia.
A mulher chorou muito porque estava sempre a apanhar com caroços de azeitona e a ouvir coisas feias. Só os animais gostavam sempre dela, tanto quando era bonita como quando era feia como agora que era sempre feia. Mas o amor dos animais não lhe chegava. Por isso deitou-se a um poço. No poço, estava um peixe que comeu a mulher de um trago só, sem a mastigar.
Logo a seguir, passou pelo poço o criado do rei, que pescou o peixe.
Na cozinha do palácio, as criadas, a arranjarem o peixe, descobriram a mulher dentro do peixe. Como o peixe comeu a mulher mal a mulher se matou e o criado pescou o peixe mal o peixe comeu a mulher e as criadas abriram o peixe mal o peixe foi pescado pelo criado, a mulher não morreu e o peixe morreu.
As criadas e o rei eram muito bonitos. E a mulher ali era tão feia que não era feia. Por isso, quando as criadas foram chamar o rei e o rei entrou na cozinha e viu a mulher, o rei apaixonou-se pela mulher.
— Será uma sereia? — perguntaram em coro as criadas ao rei.
— Não, não é uma sereia porque tem duas pernas, muito tortas, uma mais curta do que a outra — respondeu o rei às criadas.
E o rei convidou a mulher para jantar.
Ao jantar, o rei e a mulher comeram o peixe. O rei disse à mulher quando as criadas se foram embora:
— Eu amo-te.
Quando o rei disse isto, sorriu à mulher e atirou-lhe com uma azeitona inteira à cabeça. A mulher apanhou a azeitona e comeu-a. Mas, antes de comer a azeitona, a mulher disse ao rei:
— Eu amo-te.
Depois comeu a azeitona. E casaram-se logo a seguir no tapete de Arraiolos da casa de jantar.
Adília Lopes
sábado, 16 de julho de 2016
sexta-feira, 13 de maio de 2016
quarta-feira, 4 de maio de 2016
quarta-feira, 6 de abril de 2016
"Um artista nunca é pobre"
Babette Hersant (Stephane Audran) , uma refugiada dm fuga busca abrigo na casa das irmãs Martine (Birgitte Federspiel) e Philippa (Bodil Kier) em uma pequena vila na costa de Jutland, Dinamarca, no século 19. Um dia Babette ganha na loteria e resolve gastar os 10 mil francos na realização de um banquete inigualável para as irmãs e os membros da congragação religiosa fundada pelo pai delas, na data dos 100 anos dele. Um “real French dinner”.
O menu de sete pratos do filme consistia em:
“Potage à la Tortue” (sopa de tartaruga) servida com xerez Amontillado
“Blinis Demidoff” (panquecas de trigo sarraceno com caviar e creme de leite) servido com champanhe Veuve Cliquot
“Cailles en Sarcophage” (codorna em massa folhada com foie gras e molho de trufas) servido com Clos de Vougeot Pinot Noir
Salada de endívia
“Savarin au Rhum avec des Figues et Fruit Glacée” (pão de ló de rum com figos e cerejas cristalizadas) servido com champanhe
queijos variados e frutas servidas com sauternes
café com conhaque vieux marc Grande Champagne.
quinta-feira, 28 de janeiro de 2016
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