ANTÓNIO BOTTO
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Ninguém no mundo é mais rico do que eu. Os grandes banqueiros poderão dispor de quantias fabulosas e de cofres das mil e uma noites, mas nenhum deles dispõe de um mundo tão formoso e tão variado como o que eu possuo quando vejo uma obra de arte. Trata-se de uma propriedade que não aparece registada na respectiva repartição de finanças, mas, que me pertence inteiramente porque os frutos da minha emoção artística são sagrados e invioláveis. Eu sou daqueles que defendem o direito de que o homem seja o senhor absoluto das suas próprias emoções. E no dia em que esse direito lhe for negado — o homem deixará de ser uma coisa animada e viva. Ah! Quantas vezes eu emigro dos contactos demasiado violentos dos meus semelhantes e vou habitar o mundo das minhas arquimilionárias ilusões. Sim; a vida é de quem a souber contemplar, de quem a sabe entender… Lembro-me de que um dia disse a um materialista ricaço: não há fortuna maior do que a de um pobre se esse pobre for poeta. Olhou-me assustado como se eu com essas poucas palavras lhe tivesse roubado o seu tesoiro e os seus haveres. E afinal, o que eu tenho, pode também ser de qualquer, apesar de que sinto que serei acima de todos o seu verdadeiro dono. Tal é, pelo menos, a minha ilusão; e uma ilusão sincera vale muitíssimo mais do que um direito legal.
António Botto, 'Cartas Que Me Foram Devolvidas', estudos críticos de José Régio e Fernando Pessoa, Lisboa, Ed. Paulo Guerra, 1932; 'Poesia de António Botto', edição, cronologia e introdução de Eduardo Pitta, revisão de Luis Manuel Gaspar, Lisboa, Assírio & Alvim, 2018 (a publicar).
quarta-feira, 12 de setembro de 2018
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